‘Pedra na vesícula é bomba
no corpo’
Especialistas afirmam que
doença que matou Drielly de Brito demanda cirurgia mesmo em casos de menor
gravidade
“Quem tem pedra na vesícula
dorme todos os dias com uma bomba dentro do corpo”. A frase dita por um
profissional de saúde, que preferiu não se identificar, dá a dimensão da
gravidade desta disfunção no organismo, que nem sempre recebe a devida atenção
do sistema público e até mesmo dos pacientes.
Foi
de pancreatite necro-hemorrágica, provocada por pedras na vesícula, que morreu
a estudante universitária Drielly Carla Alves de Brito, que completaria 23 anos
no último sábado. Ela faleceu na quinta-feira retrasada, enquanto aguardava
vaga para internação no Hospital Estadual (HE), depois de permanecer por três
dias em uma maca instalada improvisadamente no corredor do Pronto-Socorro
Central (PSC).
Especialistas
consultados pela reportagem dizem que a doença realmente pode evoluir de
maneira inesperada e destacam que, no plano ideal, até mesmo pacientes com
quadro estável deveriam ser submetidos à cirurgia no prazo de até 30 dias (leia
mais abaixo).
Embora
o HE não tenha confirmado, estima-se que o tempo de espera para uma pessoa sem
manifestação aguda da doença conseguir realizar o procedimento seja de até dois
anos, em Bauru.
A
unidade, que atende toda a região de Bauru, informou apenas que registra cerca
de 20 operações para retirada de pedra na vesícula por mês. Um dos entraves
para agilizar o atendimento é o fato de o HE dispor apenas de três equipes de
cirurgia geral, que ficaram sobrecarregadas quando o Hospital de Base (HB)
deixou de fazer este tipo de procedimento.
Desde
que teve sua crise financeira escancarada pela Operação Odontoma, em 2009, o HB
reduziu sua produção para 40% do volume inicial. E o equipamento responsável
por realizar o exame conhecido como colangiografia trans-operatória, necessário
para verificar eventuais obstruções por pedras durante a retirada da vesícula,
está quebrado.
Como
resultado, conforme o JC apurou, pacientes, mesmo que consigam internação no
HE, podem receber alta médica e serem obrigados a esperar até conseguirem
agendar a cirurgia. É o caso de Juciléia Rodrigues Prado Guilherme, 31 anos,
que começou a sentir dores abdominais há cerca de 50 dias.
Diagnosticada
com pedra na vesícula, ela aguardou uma vaga no HE por dois dias em uma maca do
Pronto-Socorro Central (PSC). Foi transferida para o hospital no período da
tarde e, à noite recebeu alta. “Fui informada de que a cirurgia não foi
autorizada. Isso já faz uns 50 dias e, desde então, vivo à base de remédios,
mas voltei a sentir dores”, comenta.
Com pedra, em casa
Na
semana passada, Jucileia voltou ao PSC e chegou a conversar com Drielly, que
tinha o mesmo problema que o seu. Mais uma vez, ficou dois dias à espera de
vaga para internação. Cansada da demora, ela assinou um termo de
responsabilidade e voltou para casa, mesmo sob o risco de o problema
agravar-se.
“Perdi
a paciência. De que adianta eu ficar esperando lá, sabe Deus até quando, se não
vou conseguir fazer a cirurgia?”, questiona. Por meio de nota, a Secretaria de
Estado da Saúde informou que o caso não demandava cirurgia porque a paciente
não apresentava obstrução ou sinal de pancreatite, mas adiantou que o HE
entrará em contato com ela para nova avaliação.
Segundo
o diretor do Departamento de Urgência e Emergência (DUE) da Secretaria
Municipal de Saúde, Luiz Antônio Bertozo Sabbag, são frequentes os relatos de
pacientes que retornam ao PSC depois de serem internados no HE com pedra na
vesícula. “O hospital dá alta e orienta a pessoa procurar um posto de saúde
para solicitar encaminhamento para atendimento no AME (Ambulatório Médico de
Especialidades). Mas, durante a espera para consulta, muitas vezes, esses
pacientes retornam com cólica ao Pronto-Socorro. Quando é um quadro mais agudo,
a gente pede internação outra vez e isso se torna um círculo vicioso”, lamenta.
De
acordo com ele, a mesma situação ocorre com pacientes que apresentam outros
tipos de problemas que não demandam cirurgia urgente, como hérnia. “Se o quadro
estiver controlado, eles entram na fila de espera”, pontua.
Cirurgia é sempre
indicada
Não
é apenas quando o paciente apresenta complicações em seu quadro de saúde que
deve ser submetido à cirurgia para retirada da vesícula. É o que afirma o
gastroenterologista Hélio da Silveira Pires Junior.
De
acordo com ele, o ideal é que a operação seja realizada no prazo de até 30
dias, mesmo quando o caso não for grave. “Assim que diagnosticada a existência
de pedra na vesícula, a cirurgia é sempre indicada, desde que o paciente tenha
condições clínicas suficientes para suportar o procedimento”, alerta.
O
especialista destaca que pacientes que apresentam inflamação aguda da vesícula,
obstrução no canal que liga o fígado ao intestino ou pancreatite precisam ser
operados com urgência. “Geralmente, nestes casos, o quadro já é de dor intensa
e, por haver quadro infeccioso, também de febre”, assinala.
Entre
as complicações que uma pessoa com pedra na vesícula pode sofrer está a
colecistite aguda, diagnóstico recebido pela estudante universitária Drielly
Carla Alves de Brito. Trata-se de uma inflamação aguda da vesícula, que ocorre
quando o cálculo fica preso logo na saída do órgão. O paciente sente dores fortes
e constantes, além de febre.
Assim
como ocorreu com Drielly, a colecistite pode evoluir para uma pancreatite
(inflamação do pâncreas), que pode causar hemorragia e levar à morte. A
complicação ocorre porque o canal que leva a bile da vesícula para o intestino
passa dentro do pâncreas e se junta com o duto principal que drena o suco
pancreático. Quando o cálculo obstrui esses canais, o suco pancreático fica
retido no pâncreas e acaba agredindo o órgão.
Outro
problema é a coledocolitíase, que se desenvolve quanto o cálculo obstrui o
colédoco, principal canal que leva a bile desde a vesícula até o intestino.
Nesse caso, o paciente apresenta quadro de icterícia, doença popularmente
conhecida como “amarelão”.
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