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doença chamada covid-19 causada
pelo novo coronavírus já
se espalhou pelo mundo, tornando-se uma pandemia. A primeira morte
pela covid-19
foi registrada pela Organização Mundial da Saúde (OMS) em 17
de janeiro. Quatro meses depois o número de mortes no mundo ultrapassa 350 mil
pessoas. O Brasil hoje contabiliza mais de 24 mil mortes causadas pela Covid-19,
e lidera amargamente o ranking mundial de mortes registradas em 24 horas, a
assombrosa marca de mil perdas de vida por dia. É como se dez aviões
comerciais, com 100 pessoas cada, estivessem caindo diariamente no território
brasileiro. Diante desse assustador cenário, vale a pergunta, o que podemos
esperar e fazer aqui no pequeno município de Ourém?
O
Coronavírus tem um poder de
contaminação bastante elevado, como se vê na TV, rádio e internet que dão conta
de um avanço avassalador da doença e suas conseqüências nas grandes cidades.
Contudo, o que começou forte principalmente nas capitais, basta ver as
terríveis notícias vindas de nossa capital Belém e de Manaus, por exemplo,
agora avança forte para as médias e pequenas cidades, o que permite dizer que
independentemente do tamanho do seu município, das distâncias dos grandes
centros urbanos, ninguém está protegido de ser contaminado. Outra realidade é
que por ser um novo vírus, não existe medicamento cientificamente comprovado
para tratar especificamente da doença, nem uma vacina. No entanto, as
autoridades médicas do mundo todo têm encontrado uma unanimidade na forma mais
efetiva para conter a expansão da pandemia – o isolamento social. Assim,
governos tem seguido a ciência médica como guia principal para tomadas de
decisão sobre como enfrentar a pandemia e salvar vidas. Essa tem sido a fórmula
do sucesso em muitas cidades e países, e sucesso ou fracasso, frente à
pandemia, significa viver ou morrer.
Em
Ourém a recomendação não é diferente. Segundo dados do Ministério da Saúde e
disponibilizado pelo IBGE[1],
Ourém detectou o primeiro caso de COVID em 20 de abril, e em um pouco mais de
um mês, já registra 45 casos de contaminados, e uma morte. Contudo, há muita
subnotificação, o que em outras palavras quer dizer que tem muita gente com Covid-19
que não sabe que tem a doença porque não tem sintomas, ou porque são leves. O
problema é que essas pessoas, em contexto de não isolamento social, são
transmissores da doença a pessoas que eventualmente venham a manifestar os
sintomas muito intensamente, chegando até necessidade de tratamento intenso em hospitais.
Segundo a Universidade Federal do Pelotas, no Brasil, para cada um diagnóstico,
outros sete não sabem que tem a doença. Com base nessa conta, é possível que mais
350 pessoas em Ourém estejam infectadas com Covid-19 e não sabem.
Seguindo
normativas ao nível estadual, a prefeitura municipal vem publicando/renovando
decretos que dispõe sobre medidas de enfrentamento à Pandemia no âmbito do
município, sendo o último decreto publicado no dia 22 de maio com validade até 31
de maio; ou seja, duração de pouco mais de uma semana. Esse curto período de
extensão do decreto aliado as “conversas locais” sobre potencial flexibilização
das medidas de enfrentamento aparentemente nos induzem a pensar que Ourém
poderá entrar em “normalidade” a partir da semana que vem. Será? Mas qual a
base de informações ou motivos para isso? O declínio no número de casos, e consequente
“achatamento” da curva de contaminação? Vamos ver a situação mais de perto,
baseado no que os números nos dizem, e discutirmos se de fato potenciais
medidas de flexibilização seguem padrões de orientação das autoridades médicas.
A
figura 1 a seguir mostra o processo de crescimento do número de casos
confirmados no município, desde a confirmação do primeiro caso (20 de abril)
até o dia 25 de maio; ou seja, um período de 35 dias. Do dia 20 de abril a 14
de maio, o número de caso confirmado vinha acontecendo de forma lenta. Porém, a
partir dessa data, os índices vêm crescendo de forma acelerada, saltando de 10
para 45 casos no dia 25 de maio; ou seja, um aumento de 350% nos últimos dez
dias. Sério, tudo isso? Mas alguém erroneamente pode simplesmente dizer, “Ourém
está bem na foto” comparando com os números absolutos dos municípios fronteiriços:
Capanema (263 casos), Capitão Poço (192 casos), São Miguel do Guamá (107 casos),
Bonito (68 casos) e Santa Luzia do
Pará (06 casos). Isto pode gerar uma falsa sensação de segurança. Tanto
em Ourém quantos nos municípios vizinhos, os números mostram que o processo de
expansão do Covid-19 está claramente em direção ao pico da doença, sem
tendência de estabilização nos casos, e muito menos queda.
Figura 1 – Evolução dos casos confirmados de Covid-19 em Ourém (20.04 a 25.05) |
Mas para um melhor entendimento da situação local, precisamos olhar esses números de outra maneira, adotando procedimentos científicos usados mundialmente e seguindo os padrões comparativos da Organização Mundial de Saúde. É preciso que se leve em consideração o tamanho da população dos municípios, para assim ver se o município em questão está, de fato, bem ou mal na foto. Para tanto, um dos indicadores bastante usados é a taxa de incidência da doença. A taxa de incidência, ou incidência da doença, é obtida pelo número de casos da doença dividido pela população exposta, dando um valor que tem como referência um montante hipotético de 100 mil habitantes do município em análise. É um indicador muito importante porque mostra o risco de contaminação da doença para qualquer um membro daquela população ainda não infectado.Quando se compara Ourém com seus cinco municípios fronteiriços, demonstrado no mapa de cores (figura 2), percebe-se que Ourém está numa posição intermediária, nem tão mal, mas também nem tão bem. No mapa enquanto mais forte a cor, maior é a taxa de incidência da Covid-19. Bonito e Capanema estão em condição mais preocupante, enquanto Santa Luzia do Pará está em melhor estado. Ou seja, não é hora de flexibilização, porque o risco de Ouremenses contaminar-se pela Covid-19 é expressivo, sobretudo considerando que nossos vizinhos Bonito e Capanema estão em situação bem ruim, e sabendo que são municípios para os quais muita gente de Ourém vem e vai, com freqüência, fica muito evidente que não é hora de “baixar a guarda”.
Figura 2 - Incidência do Covid-19 nos cinco municípios fronteiriços de Ourém. |
Sabemos que o Covid-19 não respeita fronteira municipal, e precisamos olhar a realidade de Ourém em um contexto ainda mais amplo, por região do Estado. Assim, selecionamos quatro regiões do Estado (Guamá, Guajará, Caetés e Capim) abrangendo 54 municípios e a maior parte da população paraense. Neste gráfico (figura 3), Ourém, com uma taxa de incidência de 241 pessoas por 100 mil habitantes, novamente aparece numa condição mediana (destaque em vermelho). Pode-se observar no gráfico também, por exemplo, que Ourém tem basicamente a mesma taxa de incidência que o município de Marituba, que fica localizado na região metropolitana de Belém. Isto significa dizer que as chances de um (a) morador (a) de Ourém contrair o vírus é basicamente a mesma de alguém que mora em Marituba. Trocando em miúdos, em ambos os municípios, em quantidade muito parecida, uma parcela da população já teve a doença e outros tantos correm a mesma intensidade risco de serem infectados.
Figura 3 - Incidência do Covid-19 nos 54 municípios das regiões Guamá, Guajará, Caetés e Capim do Estado do Pará. |
Toda essa conta nos mostra que não existe evidência alguma de queda no número de contágios ou de possibilidade de ser infectado no município de Ourém. Os dados mostram exatamente o contrário, a expansão da contaminação real e do risco de contaminação. Este mesmo padrão de aumento segue nos municípios fronteiriços com Ourém. Isto demostra que o vírus continua em pleno processo de interiorização na região. Então, qualquer medida da prefeitura local no sentido de flexibilização do isolamento social tenderá a aumenta os riscos de contaminação da população local. Espero que essa curta reflexão possa contribuir com os gestores do município para evitar tomada de decisão equivocada, que podem custar a vida de cidadãos Ouremenses. Neste sentido a população local precisa está consciente de que não é hora de seguir o poeta e “...caminhar pelas ruas da cidade, sentindo no peito uma velha emoção”. É, mais do que nunca, hora de seguir as orientações das autoridades médicas, e aumentar a rigidez do isolamento social. Prefeito Junhão renove o decreto municipal que dispõe de medidas de enfrentamento do Covid-19 que encerra-se no dia 31 de maio e intensifique as estratégias de fazer cumpri-lo, aumentando o nível de isolamento social local pelas próximas semanas; apenas assim vidas ouremenses serão salvas.
Uma
lição mundial o Covid-19 já nos mostrou – governos que agiram mais rápido pouparam
vidas de seus cidadãos. Precisamos aproveitar esta história para
não cometer erros que custam vidas. Aprender como maximizar as
vidas salvas e minimizar os estragos sociais, econômicos vai ser o desafio para
sociedades ao redor do planeta. Podemos começar já. Mas por enquanto a
mensagem tem que ser apenas uma - #Fica em casa Ourém.
Dr. Carlos Valério Aguiar Gomes – Ouremense
e Professor da UFPA
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