Iniciamos a Semana Santa fazendo memória da entrada de Jesus em Jerusalém. Para Jesus entrar em Jerusalém significa decisão de abraçar o sacrifício na cruz. Nesta semana, sobretudo, na celebração do tríduo pascal (quinta, sexta e sábado santo), nossa atenção se concentra sobre o preço da nossa redenção: a maior lição de Amor que a humanidade já viu.
1ª. LEITURA: Is 50,4-7 – A FIDELIDADE RESISTE AO SOFRIMENTO
Esse trecho do profeta Isaías, historicamente do tempo do exílio (do século VI), faz parte de um conjunto literário chamado “cânticos do servo sofredor”. A narração é dramática, tem muito a ver com a nossa história e nos sugere lições simples e desafiadoras: 1) Reconhecer os dons de Deus: equivale perguntar-se: “o que o Senhor fez em mim”? No profeta o capacitou, em Maria fez “maravilhas” (cf. Lc 1,39) e em nós? Sabemos identificar os dons de Deus em nossa história e vida pessoal? Ou somos pessimistas? 2) Dom divino e responsabilidade humana devem caminhar juntos: os dons que Deus nos dá não são para enfeitar-nos, mas para capacitar-nos em vista de bem servirmos os outros. Os dons que temos estão sendo exercitados a serviço dos outros? 3) Não à vingança: as atitudes de oferta ao sofrimento por parte do servo sofredor poderiam ser entendidas como masoquismo (promoção do sofrimento pessoal), na verdade, significa renúncia à vingança, é um “não” a uma atitude justiceira. Trata-se do “não” à violência e à autodefesa agressiva... 4) A importância da resistência: “tornei meu rosto impassível como pedra” (Is 50,7) – rosto impassível, significa presença resistente, capacidade de suportação do sofrimento mantendo a própria integridade psico-espiritual e moral. A serenidade no sofrimento revela robusta estrutura espiritual da pessoa.
SALMO 22 (21): este salmo é um clamor de um pobre sentindo-se perseguido, em profundo sofrimento e abandonado por Deus (cf. Sl 22,2-3). Em sua forte angústia suplica: “Não fiques longe de mim, que a angústia está perto, e não há ninguém para me socorrer” (Sl 22,12). A dura realidade de humilhação atinge por inteiro a sua auto-estima a ponto de se ver como um verme, solitário e objeto de desprezo dos outros (cf. Sl 22,7-8.18-19) vendo suas forças se esvaziando (cf. Sl 22,15-16). Seus inimigos, pela sua crueldade, são vistos como animais selvagens (cf. Sl 22,13-17.21-22). Mas apesar de tudo o salmista deposita sua confiança e esperança em Deus (cf. Sl 22, 4-6.9-11.23-32).
2ª. LEITURA: Fil 2, 6-11 - O “DESAPEGO” DIVINO
Paulo faz uma clara apresentação de Jesus tendo como objetivo eliminar qualquer confusão da personalidade de Jesus com aquela dos deuses gregos. Vejamos algumas mensagens para a nossa vida: 1) Combater o orgulho: muitas vezes, o nosso orgulho está fundamentado num conceito exagerado que temos de nós mesmos... Tomamos determinadas atitudes errôneas e prejudiciais aos outros porque acreditamos em nossa superioridade. Uma ilusão! Paulo recomenda aos Romanos: “não façam de si próprios uma opinião maior do que convém, mas um conceito razoavelmente modesto, de acordo com o grau de fé que Deus lhes distribuiu” (Rm 12,3). 2) Não se apegar a privilégios: em nossos dias há uma grande corrida em busca de privilégios em nossa sociedade. O privilégio é uma condição diferenciada de vantagem que uma pessoa ou um grupo tem ou busca em relação aos outros. 3) Não radicalizar os próprios direitos:. Jesus faz a experiência do esvaziamento dos seus “direitos divinos” (Kénosis, em grego)... a perspectiva da encarnação é salvífica e é somente dessa forma que isso se justifica. Quem está sempre muito cheio de si, não dá espaço ao outro e não poderá ser instrumento de salvação para ninguém (serviço).
EVANGELHO: LUCAS 22,14-23,56
A narração da paixão (sofrimento por amor) e morte de Jesus é rica de muitos detalhes: personagens, palavras, atitudes, sentimentos, símbolos, circunstâncias. O desejo de celebrar a páscoa revela a liberdade de Jesus diante do seu sacrifício. Jesus ressignifica aquilo que vive. Esse é também um sério compromisso para cada um de nós. Quem não ressignifica aquilo que celebra, perde o seu sentido. Nesse processo de ressignificação da páscoa, Jesus redimensiona a sua presença entre os seus discípulos, fazendo-se pão que alimenta. Quem come o Pão do Céu, participando da Eucaristia, deve reafirmar e consolidar a sua comunhão com Deus. Todavia, não é isso que acontece com Judas Iscariotes. Jesus percebe a incoerência de Judas, sua falsidade, sua distância: está presente, participa da ceia, mas não está em comunhão com Jesus. Ele rompe a comunhão e essa sua atitude foi chocante para os demais apóstolos. Todo escândalo dos discípulos de Jesus ainda hoje, repercute sobre a comunidade gerando um forte impacto negativo nos demais. A desarmonia nas comunidades cristãs é consequência do pecado pessoal. Judas Isacriotes é um discípulo sem afeto por Jesus, interesseiro, egoísta, fechado em si mesmo. Atualizamos esse comportamento de Judas quando assumimos o mesmo comportamento. Apesar de tudo, Jesus não desanima e continua a educar com firmeza seus discípulos. Alerta a Pedro dizendo-lhe que não basta boa vontade e promessa; a fidelidade depende de convicções profundas, alimentada pela oração.
MENSAGENS e COMPROMISSOS:
1. Crescer no reconhecimento do outro... Quem é? O que significa? Qual tratamento?
2. Jesus não se apegou à sua condição divina, mas esvaziou-se e colocou-se a serviço de todos.
3. Lutar pela dignidade da vida dos outros exercitando-nos nas mais elementares atitudes cotidianas... Não ser covarde diante das injustiças... mas assumir as próprias responsabilidades!
(Dom Antônio de Assis Ribeiro (SDB) – Bispo Auxiliar da Arquidiocese de Belém)
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