Neste sábado (13), a Folha de S. Paulo apresentou uma reportagem sobre um caso de trabalho escravo na fazenda Brasil Verde, em Sapucaia, sudeste paarense, a 733 km de Belém.
De acordo com a Folha, 82 trabalhadores rurais foram resgatados pela fiscalização do Ministério do Trabalho na condição análoga à de escravo em 2000. O caso foi parar na Corte Interamericana de Direitos Humanos, órgão jurisdicional da OEA (Organização dos Estados Americanos), que condenou o Brasil por omissão e negligência aos trabalhadores.
Um deles foi Francisco das Chagas da Silva Lira, 38 anos. "Na necessidade, você aceita tudo. Fui para o mundo com outros desempregados aqui de Barras (PI). A intenção era mandar dinheiro para a família. Viajamos dois dias de ônibus e trem, sempre à noite. Quando chegamos na Brasil Verde, era tudo diferente", descreveu.
O trabalhador ainda contou inúmeras ameaças que ele e outras pessoas recebiam e que convite para trabalhar na fazenda partiu de "Meladinho" (apelido do aliciador que contratou os trabalhadores em outro Estado). Ele prometeu um salário mínimo (na época de R$ 151) para cuidar do pasto e do gado, com alojamento e equipamentos de trabalho.
"O alojamento era um barraco de lona, sem paredes, fogão, banheiro, pia, luz elétrica. Não tinha nada. Um fiscal vigiava a gente o tempo todo. Às 4h da manhã, ele colocava os holofotes (farol) do carro dentro do barracão. Todos os dias, eu preparava o café da moçada. Se a gente não fizesse, não comia. Cansamos de andar até 20 quilômetros à pé para chegar ao trabalho, com chuva ou sem. Parávamos por volta de meio-dia para comer. Era arroz com mandioca, fria, sem gosto. Como a gente comia no tempo (à céu aberto), a água misturava na marmita. Nem tinha apetite para comer aquilo ali. Trabalhávamos até anoitecer", relatou.
Liberdade
Após denúncia à Polícia Federal, Francisco e outros trabalhadores foram finalemnte resgatados. Não era a primeira vez dos policiais naquela fazenda, contaram. Outros já tinham sido resgatados de trabalho escravo contemporâneo ali. Na época, em 2000, não tinha consciência do que era trabalho forçado, condições degradantes de trabalho e jornada exaustiva.
"Já tinha ouvido falar de trabalho escravo na televisão, mas pensava que escravidão era castigo para quem faz mal ao outro. Mas não. Escravo é sofrer, passar fome, necessidade, ser mandado toda hora. Não quero uma vida de escravo para ninguém", declarou.
Condenação
A condenação do Brasil na Corte Interamericana de Direitos Humanos, da OEA (Organização dos Estados Americanos), por negligência e omissão aos trabalhadores, foi a primeira vez que o tribunal condenou um país por trabalho escravo contemporâneo. Desde 1995, mais 50 mil pessoas foram resgatadas no país.
Na sentença, a Corte pediu ainda a reabertura do processo criminal, que envolve o dono das terras, o paulista João Luiz Quagliato Neto, até hoje um importante nome do agronegócio brasileiro. "Temos a tradição de dar cumprimento à decisões da Corte", diz Luiza Cristina Fonseca Frischeisen, subprocuradora-geral da República. Em março ela deu encaminhamento à reabertura da investigação.
Procurado, o advogado de Quagliato não se pronunciou até a conclusão desta edição. Em entrevista a esta Folha em 1998, o pecuarista negou a ocorrência de trabalho escravo na sua fazenda.
(Com informações da Folha de S. Paulo)